20 julho 2007

Francisco Sá Carneiro II

Artigo completo em O Acidental LONG PLAY
FRANCISCO SÁ CARNEIRO: UM PROJECTO DE LIBERDADE
[Rui Ramos, Outra Opinião, Lisboa, O Independente, 2004, pp. 154-170]
"Em 1980, no meio das ruínas de uma ditadura e de uma revolução, Sá Carneiro propôs aos portugueses fazerem de Portugal uma democracia como as outras democracias da Europa ocidental. Nunca quis mais do que isso. Também nunca quis menos. Por isso, irritou as esquerdas, ainda presas ao socialismo revolucionário. Mas incomodou também as direitas – sobretudo aquela direita a quem sempre bastaram os negócios e empregos permitidos pelo paternalismo de Marcello Caetano, pela confusão do MFA, ou pela tolerância do Dr. Mário Soares."
"Em Dezembro de 1979, Sá Carneiro foi o primeiro político na história de Portugal a passar da oposição ao poder única e exclusivamente em virtude de uma clara maioria eleitoral. Nunca tinha acontecido antes dele. Sá Carneiro não foi um mítico D. Quixote solitário, predestinado para a tragédia: foi um líder político capaz de formular um projecto ao qual uma maioria dos portugueses aderiu na década de 1970. É essa história que é preciso perceber."
"Mas quando, em 1969, Sá Carneiro aceitou um convite para ser eleito deputado no Porto, não foi para “servir” como os seus parentes. Como muitos outros, convencera-se de que, com a substituição de Salazar por Marcello Caetano, as direitas, até então submetidas a Salazar, iriam conduzir a transição para um regime fundado no sufrágio universal, com eleições limpas e partidos políticos legais. Sá Carneiro preparou-se para fazer política."
"Depressa descobriu que se enganara. A estratégia de evolução ultramarina de Marcello Caetano não era compatível com qualquer evolução política. Caetano admitia a independência do ultramar, mas sem entrega aos partidos armados que combatiam a administração portuguesa. Por isso, precisava de continuar a guerra. Ora, para continuar a guerra, não se podia permitir o luxo de uma democracia de tipo ocidental, que as esquerdas certamente aproveitariam para espalharem a sua propaganda derrotista. Havia, porém, um processo de democratização que Marcello Caetano, aliás na tradição salazarista, queria incentivar: era a “democratização económica e social”, através da abertura de espaço para a iniciativa empresarial e da expansão dos serviços do “estado social”."
"Sá Carneiro desorientou os salazaristas, tanto como os antisalazaristas. Ninguém nunca soube bem como o classificar. Quase toda a gente, tanto dum lado da barricada como do outro, estranhou a definição de “liberal”. O termo, para além do sentido de “liberalização”, tinha então um significado sobretudo histórico: referia-se aos estados constitucionais do século XIX."
"As esquerdas anti-salazaristas também sorriam da “inocência” de Sá Carneiro: acreditava na “democracia burguesa”, sem perceber que só uma nova ditadura de marxistas convictos poderia erradicar o salazarismo. Os salazaristas e os marxistas não eram de facto inocentes. Uns e outros nada esperavam de uma população que eles consideravam “atrasada”, a precisar da albarda de burocracias iluminadas. Sá Carneiro, logo em 1969, discordara: “recuso-me a aceitar que sejamos assim, que o nosso povo tenha por natureza de ficar eternamente sujeito ao paternalismo de um homem, de um sistema, ou de uma classe."
"Comprometeu-se então com o general Spínola, de quem tentou fazer um presidente da república eleito, e portanto com a legitimidade democrática necessária para resistir ao assalto dos marxistas. Mas o general sofria do mesmo problema de Caetano: a identificação com um projecto ultramarino que, para ser viável, requeria a continuação da guerra. Isso deu a iniciativa aos oficiais do MFA, aconselhados pelas esquerdas. No seu célebre confronto com o MFA na Manutenção Militar, em Junho de 1974, Sá Carneiro ainda respeitou a linha ultramarina do general. Percebeu depressa que era um beco sem saída. Em Julho, apesar de ainda sublinhar a importância de uma “consulta democrática” no ultramar, reconhecia: “há que descolonizar rapidamente”. Agiu sempre em função do que era possível."
"A Constituição de 1976 impunha os objectivos do socialismo revolucionário, incluindo “a apropriação colectiva dos principais meios de produção”. O esquerdismo funcionava assim como uma fonte de legitimação do poder mais importante do que as formalidades democráticas."
(Continua)

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