31 outubro 2005

Soares versus Cavaco: um duelo com 20 anos de história


Há 20 anos que a experiência política de Mário Soares e de Cavaco Silva está indelevelmente associada. Em 1983, o histórico socialista forma um governo de coligação com o PSD que duraria até 1985, altura em que Cavaco - recém-eleito líder dos sociais-democratas - rompe com o Bloco Central, levando o país a eleições antecipadas.

Soares tinha protagonizado a coligação PS-PSD com Mota Pinto e Cavaco Silva afasta-se transitoriamente, logo após a morte de Franciso Sá Carneiro, não concordando com o rumo do partido. Dois anos depois, segue viagem até à Figueira da Foz, direito ao Congresso do PSD, «apenas para fazer a rodagem do Citröen»: é eleito em apoteose, quando tudo indicava que seria João Salgueiro o escolhido. A ala Nova Esperança, uma facção do PSD da qual faziam parte Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, Santana Lopes e Durão Barroso, lança o nome de
Cavaco, e o economista ganha o congresso, saindo do pavilhão com o partido na mão.
As eleições antecipadas que levaram à queda de Soares, fazem ascender Cavaco a chefe do Governo com maioria relativa. Uma moção de censura do PRD, apresentada no Parlamento e apoiada pelo PS, acabará por fazer cair o Governo PSD. Um «revés» que logo valeu a Cavaco ser reeleito com maioria absoluta.
Este é o início de uma história difícil e que vai apenas em 1987. Um ano antes, Mário Soares é eleito Presidente da República e acaba por encontrar o «arqui-inimigo» em S. Bento. As relações entre Belém e São Bento nunca foram fáceis. Soares não terá esquecido que foi Cavaco que fez cair o Bloco Central e faz o primeiro-ministro viajar até Belém vezes sem conta, lançando críticas e advertências que não têm fim com a recandidatura de Soares, em 1991, com 70,4 por cento dos votos. Torna-se no «Presidente de todos os portugueses», como o próprio tantas vezes afirma.
Da residência oficial do Chefe de Estado recrudesciam advertências à política do PSD e de S. Bento acusações de tentativa de desgaste e extravasamento de funções. Durante quase dez anos, a tensão e confronto institucional marcaram a relação dos dois políticos.
Entre forças de bloqueio, presidências abertas, e uma popularidade em crescendo para os lados de Belém, Cavaco observa o fim do estado de graça dos seus governos: foi o fim do período das vacas gordas e do «el dorado» que tanto tinham granjeado ao PSD a «capacidade de governar». Inicia-se a forte contestação social, cujo expoente máximo é o buzinão da ponte. No fim de um mandato em «queda», Cavaco distancia-se do partido e, ao ver falhada a sua eleição nas Presidenciais de 1996, abandona a vida política, para continuar a carreira de docente.
Em 1996, Soares chega ao fim de dez anos de governo em Belém. Ainda popular, sempre requisitado, com a imagem de um «senador» não envolvido na política activa, mas interventivo e atento, o ex-presidente da República passou anos repetindo a frase: «Não comento a vida política portuguesa». Um testemunho que foi amolecendo com o tempo e, volvidos nove anos, reflecte sobre a possibilidade de voltar a ser o «Presidente de todos os portugueses». O apoio de José Sócrates, revelado neste fim-de-semana, deu-lhe o alento que precisava para levar avante aquilo que fontes afirmam estar a ser preparado há mais de um mês. Com 80 anos, Soares é o exemplo vivo do percurso democrático de um país, quase sempre na ribalta, sob os holofotes da comunicação social.
Sobre a reflexão de Cavaco Silva pouco se sabe. Os seus apoiantes, desejosos da formalização da candidatura a Belém, vão dizendo que Soares «não inibe». Mas ao estilo tabu próprio das proto-candidaturas, e que Cavaco repete quase dez anos depois, o cenário está montado para que os dois políticos se reencontrem.
Agora, almejando a mesma cadeira. Ou Cavaco ou Soares. 20 anos depois, ainda sob a imagem do confronto, um dos históricos da política portuguesa regressará a casa com um sabor amargo.

27.07.05

PortugalDiário

Fonte: http://www.portugaldiario.iol.pt/especial_artigo.php?id=564965&main_id=564965